domingo, 9 de agosto de 2020

PENSAR DE ÁGUIA - VII


Para o antigo egípcio, o homem pensa com o coração. Parece uma incongruência desenvolver recursos técnicos altamente evoluídos para a época e dizer esse disparate: como é possível pensar com o coração? Teremos dois modos de pensar? Um com a cabeça e outro com o coração?
Como o esquema abaixo mostra, o primeiro lampejo pensamental nasceu como “discurso sagrado-retórico”, em que sujeito e objeto comungavam potência comum. Depois evoluímos (curva descendente) para o “discurso dialético-dedutivo”, como instância suprema para a arbitragem das questões metafísicas, éticas, políticas e científicas. Finalmente chegamos ao fundo do poço da evolução pensamental, ao “discurso analítico-indutivo”, que se afunila para restringir-se apenas ao que se pode ver e pegar, na constatação do evidente. Isso trouxe estrondoso progresso tecnológico — reflexo da potencialidade do nosso Ego, nas suas duas vertentes: “Phantasie” - com insight ao observar a natureza, de imitá-la e reproduzi-la ou criar produtos novos; e “Dóxa” (Super-ego) - com a intelectualização matemática e a compreensão dos fenômenos.
Será que a evolução pensamental termina aqui, com a lógica matemática e o sucesso dos modelos informático-computadorizados hi-tech? Kant, Bacon e Descartes tinham razão? Só nosso Ego (aliás, nosso “super-ego”) com nossa “ciência vendável” é o que importa? Estamos felizes com isso? Acabou?
Retornando à mitra do sacerdote egípcio, a nossa atual época cultural egóica é representada pela pequena “serpente naja ureus”, como visto no texto anterior. O que foi pensado ontem está sendo praticado hoje. O quê nos resta para o futuro? Teremos amanhã?
Só agora, após estarmos no fundo do poço do materialismo podemos almejar ascender nessa curva evolutiva pensamental. No entanto, antes que entremos nas duas imagens remanescentes da mitra sacerdotal (“penas de águia” e “disco solar”), há um pequeno detalhe presente encima da cabeça da naja ureus: um “disquinho”. O quê representa?
Como vimos, o Ego se subdivide em “Phantasie - Dóxa - Dianóia”, sendo o aspecto mais importante dessa parte da alma, a Dóxa ou “Super-ego”, que faz julgamento, crítica, intelectualização e análise dos fenômenos — por estar atrelado ao mundo sensorial. É a serpente (nossa alma) do símbolo da medicina, com seu “olhar” arguto que encara mundo e tira conclusões. Mas existe uma instância superior, que transmite a informação da alma ao espírito: “Dianóia” (Dia = através de; e Noûs = espírito).
Quando as três partes do Ego são amalgamadas numa só, transformam-se no “arredondar do disquinho”, que se pode traduzir de “alma da consciência”. Ou seja, a alma da consciência significa a plena consciência da potencialidade do meu Ego, nessas três esferas: “memória - julgamento / intelectualização - encaminhar informação ao espírito”.
Só depois disso é possível almejar ascender na escala pensamental. Precisamos sair do chão rastejante da víbora (ureus) e alçar voo através das duas “penas de águia”. Uma asa da águia traduz a metodologia científica goethiana: “dos matemáticos devemos aprender a cautela que consiste em dispor as coisas próximas entre si segundo uma série, ou melhor, “deduzir” o que vem imediatamente depois do que está imediatamente antes” (Goethe, Ensaios Científicos, p.35), justamente para desenvolver as “experiências de ordem superior”. A outra asa da águia está ancorada nas “10 Categorias” de Aristóteles (procure se informar a respeito), para com elas “tocarmos as teclas do Universo” (Steiner).
Ao somarmos as duas metodologias científicas dedutivas (goethiana e aristotélica) voaremos alto através da “inspiração”, qualidade superior quando inspiramos o mundo dos arquétipos (o mundo espiritual), cujo objetivo é chegar no “disco solar”, que se nomeia de “intuition” (intuição - segundo Goethe), quando comungaremos com os seres divinos (as hierarquias).
Nessa futura fase cultural estaremos vivendo “o pensar com o coração”, pois através da diástole cardíaca (silêncio cardíaco) o Eu se manifesta no palco da nossa vida. Temos que começar hoje para ser realidade amanhã.

Antonio Marques





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