Para o antigo egípcio, o
homem pensa com o coração. Parece uma incongruência desenvolver recursos
técnicos altamente evoluídos para a época e dizer esse disparate: como é possível
pensar com o coração? Teremos dois modos de pensar? Um com a cabeça e outro com
o coração?
Como o esquema abaixo
mostra, o primeiro lampejo pensamental nasceu como “discurso sagrado-retórico”,
em que sujeito e objeto comungavam potência comum. Depois evoluímos (curva
descendente) para o “discurso dialético-dedutivo”, como instância suprema para
a arbitragem das questões metafísicas, éticas, políticas e científicas.
Finalmente chegamos ao fundo do poço da evolução pensamental, ao “discurso
analítico-indutivo”, que se afunila para restringir-se apenas ao que se pode
ver e pegar, na constatação do evidente. Isso trouxe estrondoso progresso
tecnológico — reflexo da potencialidade do nosso Ego, nas suas duas vertentes:
“Phantasie” - com insight ao observar a natureza, de imitá-la e reproduzi-la ou
criar produtos novos; e “Dóxa” (Super-ego) - com a intelectualização matemática
e a compreensão dos fenômenos.
Será que a evolução
pensamental termina aqui, com a lógica matemática e o sucesso dos modelos
informático-computadorizados hi-tech? Kant, Bacon e Descartes tinham razão? Só
nosso Ego (aliás, nosso “super-ego”) com nossa “ciência vendável” é o que
importa? Estamos felizes com isso? Acabou?
Retornando à mitra do
sacerdote egípcio, a nossa atual época cultural egóica é representada pela
pequena “serpente naja ureus”, como visto no texto anterior. O que foi pensado
ontem está sendo praticado hoje. O quê nos resta para o futuro? Teremos amanhã?
Só agora, após estarmos no
fundo do poço do materialismo podemos almejar ascender nessa curva evolutiva
pensamental. No entanto, antes que entremos nas duas imagens remanescentes da
mitra sacerdotal (“penas de águia” e “disco solar”), há um pequeno detalhe
presente encima da cabeça da naja ureus: um “disquinho”. O quê representa?
Como vimos, o Ego se
subdivide em “Phantasie - Dóxa - Dianóia”, sendo o aspecto mais importante
dessa parte da alma, a Dóxa ou “Super-ego”, que faz julgamento, crítica,
intelectualização e análise dos fenômenos — por estar atrelado ao mundo
sensorial. É a serpente (nossa alma) do símbolo da medicina, com seu “olhar”
arguto que encara mundo e tira conclusões. Mas existe uma instância superior,
que transmite a informação da alma ao espírito: “Dianóia” (Dia = através de; e
Noûs = espírito).
Quando as três partes do Ego
são amalgamadas numa só, transformam-se no “arredondar do disquinho”, que se
pode traduzir de “alma da consciência”. Ou seja, a alma da consciência
significa a plena consciência da potencialidade do meu Ego, nessas três
esferas: “memória - julgamento / intelectualização - encaminhar informação ao
espírito”.
Só depois disso é possível
almejar ascender na escala pensamental. Precisamos sair do chão rastejante da
víbora (ureus) e alçar voo através das duas “penas de águia”. Uma asa da águia
traduz a metodologia científica goethiana: “dos matemáticos devemos aprender a
cautela que consiste em dispor as coisas próximas entre si segundo uma série,
ou melhor, “deduzir” o que vem imediatamente depois do que está imediatamente
antes” (Goethe, Ensaios Científicos, p.35), justamente para desenvolver as
“experiências de ordem superior”. A outra asa da águia está ancorada nas “10
Categorias” de Aristóteles (procure se informar a respeito), para com elas
“tocarmos as teclas do Universo” (Steiner).
Ao somarmos as duas
metodologias científicas dedutivas (goethiana e aristotélica) voaremos alto
através da “inspiração”, qualidade superior quando inspiramos o mundo dos
arquétipos (o mundo espiritual), cujo objetivo é chegar no “disco solar”, que
se nomeia de “intuition” (intuição - segundo Goethe), quando comungaremos com
os seres divinos (as hierarquias).
Nessa futura fase cultural
estaremos vivendo “o pensar com o coração”, pois através da diástole cardíaca
(silêncio cardíaco) o Eu se manifesta no palco da nossa vida. Temos que começar
hoje para ser realidade amanhã.
Antonio Marques
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