Toda doença ou crise é uma
chance para repensarmos sobre nós mesmos e sobre o mundo em que vivemos. O que
podemos aproveitar deste coronavírus? A separação compulsória das pessoas nos
levou a uma tomada de auto consciência, como fator de crescimento individual,
como ser autônomo e a refletir sobre nossa atuação no mundo — através do
“trabalho”.
Com o mercado paralisado,
queda na arrecadação e o perigo iminente de perda de emprego, “patrão e
funcionário” foram obrigados a sentar e discutir sobre o trabalho. Ambos
precisam procurar uma solução — sem intermediação sindical, instituição esta,
resquício da Idade Média, de interesse classista e que não entende como
funciona a engrenagem da economia.
Ambos começaram a vestir a
camisa da empresa, pois é daí que usufruem lucro e salário (ou remuneração).
Ambos tiveram que abrir mão de certas regalias para sobreviver: diminuição de
trabalho com diminuição de ganho. Eles chegaram ao “valor agregado”, cujo
significado traduz que ambos trabalham para o mesmo objetivo. Como funciona
isso?
Vamos começar pela questão
salarial: “pagar pelo trabalho” vem do tempo em que ainda existiam escravos,
quando o ser humano era vendido como mercadoria. Essa visão distorcida ocorre
justamente por faltarem as questões básicas na troca de valores: “trabalho
versus salário”. Assim se estabelece uma falsa noção do chamado vínculo
empregatício. O “mercado de escravos” transformou-se em “mercado de trabalho”.
Esse é um dos motivos de o “egoísmo” do patrão usurpar o trabalho alheio. Em
contrapartida, o funcionário se transforma em um auto-sustentador. Ou seja, ele
trabalha para si, egoisticamente para o seu salário. Como se sabe, pela
“divisão de trabalho”, ninguém trabalha para si, mas se trabalha para os
outros, para as necessidades dos outros. O trabalho também não é mercadoria, e
não será o número de horas trabalhadas que resultará no salário correspondente.
Como fica isso? A questão salarial precisa ser melhor esclarecida, através de
outro enfoque: Para começar uma empresa, o industrial ou o pioneiro, precisará
de “capital” para iniciar o empreendimento, “solicitar terras”, maquinários,
pagar os juros do “empréstimo” etc. O restante do que entra é o valor
proporcionado por todos os que trabalham naquele serviço. Denomina-se “valor
agregado”, ou seja, “valor” que pode ser repartido entre todos os que
participam desse crescimento empresarial. Portanto o salário constitui a
participação no “valor agregado” da empresa. Por isso o salário não é “despesa”
e nem corresponde ao “preço do trabalho”. Aliás, o que é vendido não é o
trabalho, mas sim o “produto” do trabalho. Por isso a palavra certa para
“salário” é remuneração e isso traduz o “valor do trabalho” e não o seu preço.
O produto do trabalho, no fundo, pertence ao funcionário. Nesse caso, toca-se
num problema crítico, que é a relação de trabalho. Ou seja, não se troca o
trabalho por qualquer outra coisa, pois não existe um valor que possa definir o
“trabalho” de outro elemento. Em verdade, o que ocorre é uma troca de valores.
O funcionário produz algo e o empresário apenas lhe compra o produto final.
Portanto é o empresário quem compra os produtos do trabalhador e, com seu
espírito empreendedor empresarial, consegue usufruir o lucro na circulação da
mercadoria, através do preço. Portanto, o preço tem a ver com a mercadoria e
deve ser procurado entre os comerciantes, aqueles que compram e vendem. Desse
modo, nas relações de trabalho, ocorre uma verdadeira compra. Por isso a
“relação empregatícia” deve ser baseada em novos elementos de “troca”, entre os
dois interessados: o empregador e o empregado. Ambos têm um objetivo comum, o
de crescimento da empresa. Ou seja, ambos disputam adistribuição de
rendimentos, o “valor agregado”.
Por isso, Economia tem a
ver com “produção, circulação e consumo de bens materiais para satisfazer as
necessidades humanas”. No fundo, significa a “realização do homem no mundo”. A
mercadoria é colocada em um fluxo globalizado, mundial, para ser consumida. É
preciso que os três interessados, na vida econômica, “o produtor, o comerciante
e o consumidor”, ou seus representantes, se reúnam em “Associações Econômicas”,
no sentido de traçar as verdadeiras metas econômicas. Só assim se poderá
controlar o preço, valorizar o trabalho humano e atender aos interesses do
consumidor!

Acho que o mundo irá mudar
depois desta epidemia. Se não mudar, outra epidemia virá para nos ensinar.
Antonio Marques
Membro do Conselho
Cultural do Brasil (CCB)
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