domingo, 9 de agosto de 2020

FANTASIA MORAL




Nada mais incongruente associar duas palavras de significados tão diferentes — termo criado por Rudolf Steiner na sua Filosofia da Liberdade (4ª ed. São Paulo : Antroposófica, 2008), para refutar a arrogância filosófica do séc. XIX: “o mundo é minha representação cerebral, fruto da minha imaginação”. Qual a argumentação para referendar a Fantasia Moral? Terá importância para nossa época?

A Moral nasceu na antiga Roma, nos comícios e assembleias populares, numa forma de normatizar igualitariamente posturas sociais dos indivíduos — resultando na Justiça e no Direito. Contrário da “ética”, que nasceu na antiga Grécia e diz respeito à busca de virtude — caminho interior de realização individual, que Steiner renomeou de “individualismo ético”. Por isso não se pode dizer “código de ética”, pois o pensar, o sentir, ainda repousam dentro do indivíduo. Só quando o ato, o gesto, forem executados no mundo, se é passível de julgamento moral. Por isso os códigos devem ser morais.

Já a fantasia é revelada na capacidade de fazer imagens mentais, um caminho interior (como a ética). Se olho um objeto, faço sua imagem na minha cabeça — amanhã posso recordar, capacidade básica da nossa criatividade. Se não consigo recordar, serei demente. Do ponto de vista científico pode ser errado e falso em relação ao original; mas artisticamente, é uma habilidade imponderável emocionante (por isso a fantasia faz parte da alma): posso retocar ou mudar a imagem para que ela se torne bonita e me faça feliz. A imaginação é baseada em mudança de ideias ou de imagens. Nesse caso, todos somos artistas de nossas próprias ideias. Sem imaginação ou fantasia não haveria invenção e nem progresso; tudo permaneceria o mesmo, preso ao passado normativo.

Ou seja, vivemos essa dualidade, essa polarização: no mundo somos induzidos a ser críticos, competitivos e agressivos — por isso o código “moral” (externo) serve para nos dar limites. Em contrapartida, no nosso interior, carregamos benevolência, benquerença, afabilidade - e até perdoamos nossos deslizes — e, ao usar a “fantasia”, criamos possibilidades imaginativas
com graciosidade, estética e beleza.

Mas o fator mais importante da Fantasia Moral tem a ver com a “inversão” dessas forças = para o interior (onde vive a fantasia) devemos introjetar a “moralidade”: auto-crítica, auto-censura, auto-admoestação. E para fora (onde vive a moral) devemos exalar “fantasia”: com grandiosidade, com beleza, com amor nos nossos gestos, profissões e criações.

Devemos colocar nosso interior para fora, externar a “fantasia através da moralidade”, para nos tornarmos indivíduos moralmente produtivos. Assim construiremos novo amanhã.

Antonio Marques

Referência: Rundbrief zur Anthroposophie
Dr F. Husemann

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