Finalmente, depois de 20
anos, foi assinado o acordo comercial Mercosul-EU no G20, em Osaka – Japão;
encontro de chefes de Estados e ministros de finanças das 19 maiores economias
do mundo mais a União Européia. Finalmente o Brasil começou a andar para frente
– e a proposta inovadora que se espera será a criação da moeda única
“Peso-Real” para o Mercosul, a exemplo do “Dólar” para o Hemisfério Norte e o
“Euro” para o Mercado Comum Europeu.
Esta era uma das propostas
do historiador econômico inglês Christopher Budd, editor das obras econômicas
de Rudolf Steiner (Sussex – England), que veio me visitar porque queria saber
quem aqui no Brasil falava de Keynes (vide abaixo). Aproveitei a vinda dele
para uma palestra aos alunos e professores de Economia na Faculdade de Economia
da UFJF, no dia 13.11.98. Sua proposta é “realizar uma metamorfose gradativa do
neoliberalismo em uma atitude pós-pós-moderna”. Para isso é preciso “considerar
o dinheiro como reflexo da atividade humana” (conforme suas palavras); ou seja,
a “produção” é mais importante e o “dinheiro” é a conseqüência normal. Ainda
nesse aspecto, deve-se considerar o dinheiro como “unidade de conta”, com
objetivo contábil. Nesse caso, o “lucro normal auto-sustentado” deve ser
direcionado de novo à produção e o “super-lucro especulativo de risco-zero”
deve ser canalizado para a educação e a saúde.
Essas propostas não são
realizadas hoje em dia porque foi implantado o Plano White (FMI = Fundo
Monetário Internacional), norte-americano em Bretton Woods (1945), para a
recuperação da economia no pós-guerra, em detrimento ao Plano ICU
(International Clearing Union ou Câmara de Compensação Internacional), do
economista britânico John Maynard Keynes (1883 – 1946). O que este
propunha?
Ele “criava uma espécie de
Banco Internacional sui generis para as transações de comércio no pós-guerra, a
fim de realizar o equilíbrio automático no balanço de pagamentos das nações
participantes. Essa Câmara (ou Banco Mundial) podia dispensar seus membros de
qualquer depósito em ouro, dólar ou outra moeda. Ao contrário, ela criava uma
nova moeda internacional (de natureza escritural), denominada Bancor, a ser
creditada (como doação) nas contas dos Bancos Centrais dos países
participantes, em cotas diferentes (mutantes) segundo o volume de comércio
exterior de cada um. A maior originalidade do plano estava, entretanto, na
sugestão de se aplicar um tributo sobre os países credores e devedores sendo
que o dos primeiros seria uma espécie de juro negativo, a fim de compeli-los a
utilizar seus Bancors na compra de produtos das nações devedoras, tornando
assim compulsória a participação dos credores no ajuste ao equilíbrio”
(Fernandes, S. A libertação econômica do mundo pelo esquecido plano Keynes. Rio
de Janeiro: Nórdica, 1991. p.128-9).
No entanto, por motivos
espúrios, o Plano Keynes foi execrado do mundo “economês” moderno e nem seus
enunciados são conhecidos. No entanto Keynes só é viável para um mundo
humanizado, muito distante do que estamos vivendo – num mundo polarizado entre
“esquerda – direita” ou entre hipertrofia estatal e imperium econômico. Não se
reconhece o ser humano como figura principal deste organismo social. Ele apenas
é usado como “produto descartável”. Assume-se profundamente a vida moderna, mas
se esquece que, por detrás de tudo, está o espírito realizador humano. No
entanto, precisa-se dar uma guinada nessa visão simplória e reconhecer que “o
ser humano é o centro de tudo”. Primeiro ele precisa se desenvolver pela
Educação, para o crescimento interior ético (virtudes). Em segundo lugar ele
necessita da Cultura, para o desenvolvimento moral (para viver na sociedade).
Ou seja, para se tornar um ser moralmente produtivo, é preciso a conquista do
individualismo ético.
Atualmente, apenas a vida
cultural não existe como realidade institucionalizada. Apesar de esse membro
social estar presente desde o início da humanidade, na forma de Religião,
assume hoje uma postura (inconsciente) como detentora da cultura, da arte, da
educação, da ciência. Isso ocorreu, porque os outros dois membros sociais
adquiriram independência. Atualmente, ela está apenas servindo de norteadora da
ética e da moral, numa forma “nebulosa” e inconsciente nas mentalidades das
pessoas e nas instituições. No entanto, ela permeia os outros dois setores do
organismo social, porque por detrás da vida “social” (política) e da vida
“econômica” se encontra o espírito humano. O indivíduo é que foi se imiscuindo,
numa forma de se realizar no mundo, através da política (viver em sociedade) e
finalmente através do lidar com as coisas materiais (economia).
Uma das metas do Conselho
Cultural do Brasil (CCB) a ser criado em Brasília, como primeiro membro do
organismo social, deverá ser a de fomentar as atividades culturais, a ciência,
a educação, a de promover o indivíduo na sociedade, a de integração
internacional etc. O dinheiro, que é um “instrumento da vida espiritual no
mundo”, deverá ser usado com esse objetivo. (Existem três possibilidades do uso
do dinheiro: de uso privativo, de investimento e de doação). Para isso, será
preciso criar um Departamento específico, dentro desta instituição, no sentido
de que o dinheiro cumpra o seu papel econômico, social e individual. Esse
departamento deverá funcionar como Banco social (por isso o BNDES deveria fazer
parte do CCB) no sentido de que se possam realizar duas das três finalidades do
dinheiro: de empréstimo às iniciativas produtivas e de doação às iniciativas
culturais e beneficentes. A “circulação do dinheiro”, que é uma função
bancária, deverá ser entregue ao CCB, pois só ele é movido pelo “altruísmo”. Os
seus recursos (capital) poderão vir da vida produtiva, desde que os industriais
considerem essa medida mais humana e ecológica, numa nova ordem “humana /
social / econômica”.
Cabe agora uma importante
pergunta: o que significa ter capital livre, do qual tenha desaparecido o
trabalho? É um capital acumulativo ou “capital devedor”, que pode se tornar um
“capital de empréstimo”, para se tornar, por meio do espírito criador humano,
“capital produtivo”. A isso Steiner denomina circulação de capital e é o mesmo
processo que ocorre no “sangue humano”. Este, ao percorrer os pequenos vasos
sangüíneos (capilares), “caminha sozinho”. Mas quando o sangue cai na gravidade
(nos grandes vasos), começa a parar. É preciso que uma “força propulsora”
imprima novamente maior “velocidade” e isso é realizado pelo coração. Esta é a
função do Banco. Além disso, antes de devolver o sangue ao corpo, o que o
coração faz? Encaminha o sangue ao pulmão, para ser “oxigenado”, isto é, para o
sangue ficar novo. O mesmo se observa no caso de certa quantidade de dinheiro
ficar guardada em casa: ele envelhece (por ter ficado fora do circuito
econômico). Precisa ser “revitalizado” pelo Banco, para se transformar em
“dinheiro novo” e ser colocado novamente na “circulação”. Assim o seu “poder de
compra” aumenta. E é isso praticamente o que o banco faz. E os seus recursos
(capital) poderão vir da vida produtiva, desde que os industriais considerem
essa medida mais humana e ecológica, numa nova ordem social. Quando um
interessado em começar um empreendimento e precisar de recursos financeiros, o
CCB (administrador do dinheiro) analisará se tal empréstimo tem cabimento, o
prazo de retorno do dinheiro etc. E em caso de retornar o capital, este poderia
ser reinvestido na empresa. Em caso de má gestão, poderia inclusive se pensar
em trocar o administrador ou a diretoria; ou em caso do falecimento do titular,
um herdeiro capacitado poderia levar em frente o empreendimento; ou, em caso
negativo, deveria se procurar outro administrador. Desde que o empreendimento
seja um bem necessário à sociedade, deveria se buscar meios para que a empresa
continue. Nunca os bens alienados devem ser incorporados à vida estatal, pois
esta não é a sua função.
O Departamento de Banco
Social deverá visar a “circulação do dinheiro”, no sentido de fomentar o
capital de empréstimo e de doação, para aqueles que necessitam de meios para
trabalhar economicamente no mundo e para a cultura, respectivamente. Portanto
tanto a vida jurídica como a econômica precisam do “alimento” que vem da esfera
do CCB, como foi amplamente comentado. No primeiro caso, precisa-se elaborar
“leis” mais condizentes com a condição humana, que se fundamentem na vida do
“direito”. No segundo caso, necessita-se da participação de pessoas com “juízo
econômico”, que entendam da prática econômica, que possam fundar associações,
para dar um rumo certo à “realização” do homem no mundo. Com relação à
“circulação do dinheiro”, que é uma função bancária, deveria ser integrada ao
CCB. Assim o dinheiro poderá assumir a sua verdadeira e específica função no
mundo.
Neste nosso século
deveríamos estar vivendo a trimembração social, mas repetimos velhas cantilenas
bi-membradas (esquerda – direita). Se não abrirmos os olhos para a corrente histórica
que perpassa as civilizações, algo de ruim pode advir como mostrado acima.
Urge, hoje em dia, esclarecer melhor os limites e as interpenetrações dos três
sistemas do organismo social; e resgatar o 1º membro do organismo social
trimembrado – o CCB.
Antonio Marques
Membro do CCB
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